REFLEXÕES SOBRE A IMPRESCRITIBILIDADE DOS CRÉDITOS DO CONTRIBUINTE CONTRA O FISCO

não-cumulatividade

CONSIDERAÇÕES PROPEDÊUTICAS

Para entendimento da tese adiante desenvolvida, impõe-se ter presentes as seguintes definições:

a) crédito fiscal

é aquele advindo da operação anterior, utilizado em seu favor pelos contribuintes, quando apuram o valor do débito fiscal a recolher em determinado período (conta-corrente fiscal). É previsto na Constituição Federal;

b) crédito tributário

é aquele previsto no artigo 142 do Código Tributário Nacional, apurado por autoridade competente da Fazenda Pública, através do lançamento que pode ser direto ou de ofício, por declaração ou por homologação, depois de inscrito em dívida ativa, quando passa a se revestir da presunção legal (juris tantum) de certeza e de liquidez;

c) crédito financeiro

é a qualidade do crédito do sujeito passivo contra a Fazenda Pública, podendo advir de duas fontes: (1) ação de repetição de indébito; ou (2) apuração feita pelo próprio contribuinte com base na legislação do tributo, sem necessidade de ação judicial (portanto sujeito à gloa do fisco);

d) sistema da não-cumulatividade

vigora para o ICMS, o IPI e as contribuições PIS e COFINS. Trata-se de direito subjetivo advindo da Constituição que se traduz na prerrogativa outorgada ao contribuinte (de direito) de abater (compensar), na sua conta-corrente fiscal, os montantes incidentes (recolhidos ou não) nas operações anteriores. O mecanismo objetiva que o erário arrecade, na soma dos vários recolhimentos parciais acontecidos potencialmente ao longo da cadeia produtiva, comercial ou de prestação, o exato montante da alíquota prevista na lei para o determinado produto, mercadoria ou serviço;

e) compensação constitucional

o mecanismo é decorrente da Constituição Federal e se perfectibiliza pelo sistema de compensação administrativa (abate) acontecida em cada etapa. O registro escritural dos créditos e débitos das notas de compra e venda (entradas e saídas) possibilita o recolhimento do tributo incidindo sobre o valor agregado, eliciando dessa forma a possibilidade da tributação em cascata;

f) compensação do art. 156, II, do CTN

tem a finalidade de operacionalizar em favor do contribuinte, na conta-corrente fiscal, a cobrança de crédito financeiro advindo de ação de repetição de indébito, portanto não se confunde com a compensação constitucional (conta-corrente fiscal) que é procedida para perfectibilização do sistema da não-cumulatividade;

g) compensação administrativa

esta situação, que igualmente não se confunde com a compensação constitucional, ocorre quando o contribuinte apura créditos financeiros contra a Fazenda Pública e os recupera administrativamente na conta-corrente fiscal, exercendo seu direito potestativo expressamente autorizado pela legislação infraconstitucional, porém sujeitando-se à glosa do fisco, em caso de excesso;

h) artigo 170-A do CTN

este dispositivo somente se aplica à hipótese de créditos reconhecidos pela Justiça, conforme se pode ler do dispositivo: “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.”  por força do que consta do próximo item. É relevante observar que se trata de uma proibição sem sanção, ou seja, por falta de previsão, nenhuma penalidade (além da glosa) sofrerá o contribuinte que desobedecer à vedação;

i) princípio da estrita tipicidade/legalidade tributária

este princípio republicano garante que quaisquer exigências em matéria tributária cumpram todos os requisitos não apenas legais, mas também os formais. Em matéria tributária, a legalidade deve ser mais rígida que a exigida em matéria penal, pois a lei penal pode ser aplicada ao caso concreto pelo juiz com uma certa discricionariedade (baseado nas circunstâncias judiciais), enquanto a lei tributária deve ser aplicada pelo agente fiscal ou pelo juiz sem qualquer discricionariedade. Assim, o juiz não pode reduzir o valor de uma dívida tributária em razão da situação econômica do devedor, nem o fiscal pode conceder uma redução da multa em caso não previsto na lei. Portanto, a interpretação das leis tributárias deve ser feita sempre LITERALMENTE, o que é uma garantia do contribuinte contra o fisco.

A NÃO-CUMULATIVIDADE DOS TRIBUTOS

A garantia constitucional da aplicação do princípio da não-cumulatividade para os contribuintes está inserida nos artigos 153, 154, 155 e 195 da Carta da República, abrangendo o IPI, o ICMS e as contribuições sociais:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

IV – produtos industrializados;

§ 3º – O imposto previsto no inciso IV:

II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

Art. 154. A União poderá instituir:

I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

§ 2º – O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

Art. 195.

§ 12 – A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV, do caput, serão não-cumulativas.

O MECANISMO DA NÃO-CUMULATIVIDADE

O mecanismo da não-cumulatividade (operacionalização do princípio constitucional) está expresso no artigo 49 do Código Tributário Nacional, que é um estatuto jurídico com status de lei complementar:

Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.

Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte transfere-se para o período ou períodos seguintes.

Da leitura do dispositivo, sobra nítido que ele se aplica tão-somente nas compensações administrativas, realizadas na conta-corrente fiscal.

OS ARTIGOS 170 E 170-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

Por serem situações claramente distintas, o artigo 170, porque regula apenas a extinção de créditos tributários (constituídos na forma do artigo 142 do CTN), não se aplica à compensação administrativa dentro da conta-corrente fiscal prevista na Constituição Federal.

E o artigo 170-A não pode ter aplicação em hipótese diversa daquela que contempla a compensação de créditos financeiros do contribuinte advindo de ação judicial, o que exclui, por evidência cristalina, a compensação constitucional e a compensação administrativa (que não decorrem de ação judicial, mas sim de direito potestativo do contribuinte).

Observemos as claríssimas redações:

Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos, ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.

A COMPENSAÇÃO ADMINISTRATIVA DE CRÉDITOS FINANCEIROS DECORRENTES DE RECOLHIMENTOS INDEVIDOS É AUTORIZADA PELO FISCO SEM NECESSIDADE DE AÇÃO JUDICIAL

O Código Tributário Nacional tem a seguinte previsão, desde que foi editado em 1966:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162[1], nos seguintes casos:

I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

Em complemento desse dispositivo, foi promulgada a Lei nº 8.383/1991, autorizando o exercício da compensação administrativa incondicionada, ou seja, outorgando um direito potestativo (palavra “poderá“) ao contribuinte, permitindo-lhe a realização de compensação de seus créditos financeiros dentro da conta-corrente fiscal, sem a CONDIÇÃO de trânsito em julgado de ação judicial:

Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a períodos subsequentes.

§ 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie.

Posteriormente, foi editada a Lei n° 9.430/1996, com a seguinte previsão:

Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrados pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.

§ 1º A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados.

§ 2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.

Tempos depois, a própria Receita Federal, em suas Instruções Normativas, passou a AUTORIZAR o exercício do direito potestativo do contribuinte, na recuperação administrativa dos seus créditos financeiros contra a Fazenda Pública. Vejamos:

Instrução Normativa RFB 900/2008:

Art. 44. O sujeito passivo que apurar crédito relativo às contribuições previdenciárias previstas nas alíneas “a” a “d” do inciso I do parágrafo único do art. 1º, passível de restituição ou de reembolso, poderá utilizá-lo na compensação de contribuições previdenciárias correspondentes a períodos subsequentes.

§ 7º A compensação deve ser informada em GFIP na competência de sua efetivação.

Instrução Normativa RFB 1529/2014:

Art. 56.  O sujeito passivo que apurar crédito relativo às contribuições previdenciárias previstas nas alíneas “a” a “d” do inciso I do parágrafo único do art. 1º, passível de restituição ou de reembolso, inclusive o crédito relativo à Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), poderá utilizá-lo na compensação de contribuições previdenciárias correspondentes a períodos subseqüentes.

Instrução Normativa RFB 1717/2017:

 Art. 65. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive o crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, relativo a tributo administrado pela RFB, passível de restituição ou ressarcimento, poderáutilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos administrados pela RFB (…)


POR FALTA DE PREVISÃO LEGAL, O EXERCÍCIO DO DIREITO POTESTATIVO DE REGISTRO NA CONTA CORRENTE FISCAL DE CRÉDITOS POR COMPRAS DE INSUMOS, ASSIM COMO O DA RECUPERAÇÃO DE RECOLHIMENTOS INDEVIDOS, NÃO ESTÁ SUJEITO À PRESCRIÇÃO NEM À DECADÊNCIA

É evidente que os créditos tributários (os da Fazenda Pública) não são equivalentes ou similares aos créditos financeiros (os do contribuinte), porque os primeiros gozam da presunção de certeza e liquidez, depois de constituídos (inscritos em dívida ativa), e os outros não têm a mesma qualidade.

De outra parte, a DECADÊNCIA (perda do direito), que obviamente apenas se refere à Fazenda Pública e não ao contribuinte, tem a seguinte previsão no Código Tributário Nacional:

 Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

        I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

        II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

Já a PRESCRIÇÃO (perda do direito de ajuizar a ação de execução fiscal), que igualmente se refere apenas à Fazenda Pública, está regrada assim no mesmo diploma legal:

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Por fim, é de se notar que o CTN apenas prevê um prazo para o evento denominado de PEDIDO ADMINISTRATIVO DE RESTITUIÇÃO DE PAGAMENTO INDEVIDO:

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I – nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165[1], da data da extinção do crédito tributário; 

II – na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.

Com amparo nesses pressupostos e porque vige no sistema tributário a regra protetiva da tipicidade/legalidade estrita — segundo a qual só obriga o contribuinte norma que cumpra os requisitos não apenas legais, mas também os formais — onde prevalece a LITERALIDADE e a proibição da interpretação extensiva ou ampliativa para impor o pagamento de tributos, e a analogia só poderá ter aplicação para situações absolutamente idênticas, e não para as assemelhadas, pode-se concluir peremptoriamente que:

a) a COMPENSAÇÃO ADMINISTRATIVA feita na conta corrente fiscal para compensação de créditos por entradas (compras) de insumos, assim como a feita para recuperação de recolhimentos indevidos, NÃO ESTÁ SUJEITA A PRAZO DECADENCIAL NEM PRESCRICIONAL PARA SEU EXERCÍCIO;

[1]  Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

        I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

        II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

        III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

b)   o direito potestativo do contribuinte ao exercício do seu direito de compensar seus créditos contra o fisco é INESGOTÁVEL ePERPÉTUO.

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