PROLEGÔMENOS
Prevê o Código Tributário Nacional, no seu artigo 170-A, de modo literal, que é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial:
Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
Não se mostra fora de propósito concluir, em raciocínio inverso, com base na literalidade da regra, que, nos casos em que não esteja presente a CONTESTAÇÃO JUDICIAL, a disposição do CTN não tem aplicação.
Nada obstante a interpretação aparente ter clareza solar, vale a pena dissecar a questão pelos seus vários outros ângulos, uma vez que a situação não é pacífica.
O ENTENDIMENTO DA JURISPRUDÊNCIA
Desde 2005, as Cortes de Brasília (STJ e STF) vêm afirmando e reafirmando de forma peremptória que não há incidência da contribuição previdenciária nas verbas indenizatórias e nas que não integram os proventos da aposentadoria.
Os excertos de julgados a seguir reproduzidos demonstram claramente o entendimento uniforme:
… Esta Corte fixou entendimento no sentido que somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária. Agravo Regimental a que se nega provimento. (STF, AI 727958 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 16/12/2008, DJe-038 DIVULG 26-02-2009 PUBLIC 27- 02-2009 EMENT VOL-02350-12 PP-02375)
… O Supremo Tribunal Federal, em sucessivos julgamentos, firmou entendimento no sentido da não-incidência de contribuição social sobre o adicional de um terço (1/3), a que se refere o art. 7º, XVII, da Constituição Federal. Precedentes. (STF, RE 587941 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/09/2008, DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008 EMENT VOL-02342-20 PP-04027)
… A orientação do Tribunal é no sentido de que as contribuições previdenciárias não podem incidir em parcelas indenizatórias ou que não incorporem a remuneração do servidor. (AI 712.880/MG, Rel. MINISTRO EROS GRAU, SEGUNDA TURMA, DJ 26/05/2009)
… A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que somente as parcelas que podem ser incorporadas à remuneração do servidor para fins de aposentadoria podem sofrer a incidência da contribuição previdenciária. (AI 710.361/MG, Rel. MINISTRA CARMEN LÚCIA, PRIMEIRA TURMA, DJ 08/05/2009).
… Esta Corte fixou entendimento no sentido que somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária. (AgRg no AI 727.958/MG, Rel. MINISTRO EROS GRAU, SEGUNDA TURMA, DJ 27/02/2009)
… O auxílio-doença pago até o 15º dia pelo empregador é inalcançável pela contribuição previdenciária, uma vez que referida verba não possui natureza remuneratória, inexistindo prestação de serviço pelo empregado, no período. Precedentes: EDcl no REsp 800.024/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 10.09.2007; REsp 951.623/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 27.09.2007; REsp 916.388/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, DJ 26.04.2007.
… O auxílio-acidente ostenta natureza indenizatória, porquanto destina-se a compensar o segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, consoante o disposto no § 2º do art. 86 da Lei n. 8.213/91, razão pela qual consubstancia verba infensa à incidência da contribuição previdenciária. (…) (AgRg no REsp 957.719/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 02/12/2009)
… É pacífico o entendimento desta Corte de que não incide Contribuição Previdenciária sobre a verba paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença, porquanto não constitui salário. (AgRg no REsp 1100424/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 18/03/2010)
… 7. É indevida a incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos pela empresa ao segurado empregado durante os 15 primeiros dias que antecedem a concessão de auxílio-doença e/ou auxílio-acidente, uma vez que tal verba, por não consubstanciar contraprestação a trabalho, não tem natureza salarial. Diretriz pretoriana consolidada no c. STJ e neste Tribunal. 8. O STF tem entendido que o adicional de 1/3 de férias não integra o conceito de remuneração, não havendo, pois, incidência de contribuição previdenciária. Precedentes: STF, AI-AgRg nº 603.537/DF, Rel. Min. EROS GRAU, in DJU 30.03.2007.
… Não incide a contribuição questionada, também, sobre o abono de férias de que tratam os arts. 143 e 144 da CLT, desde que não excedente de 20 (vinte) dias do salário, conforme jurisprudência firmada pelo STJ e por esta Corte. (EEARES 200702808713, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, 24/02/2011.
… O auxílio-educação, embora contenha valor econômico, constitui investimento na qualificação de empregados, não podendo ser considerado como salário in natura, porquanto não retribui o trabalho efetivo, não integrando, desse modo, a remuneração do empregado. É verba empregada para o trabalho, e não pelo trabalho. (RECURSO ESPECIAL Nº 324.178 – PR – 2001⁄0061485-0)
AS REGRAS BÁSICAS DA COMPENSAÇÃO ADMINISTRATIVA
Regulando a compensação administrativa, a Receita Federal baixou a Instrução Normativa nº 900/2008, dizendo, no seu art. 44, que o sujeito passivo que apurar crédito relativo às contribuições previdenciárias, passível de restituição ou de reembolso, PODERÁ utilizá-lo na compensação de contribuições previdenciárias correspondentes a períodos subsequentes, prevendo, no seu § 7º, que a compensação deverá ser informada em GFIP na competência de sua efetivação.
Posteriormente, em 20/11/2012, o mesmo órgão federal editou a IN/RFB nº 1.300/2012, reiterando, no seu artigo 56, que o sujeito passivo que apurar crédito relativo às contribuições previdenciárias passível de restituição ou de reembolso, PODERÁ utilizá-lo na compensação de contribuições previdenciárias correspondentes a períodos subsequentes, ressalvando, no seu § 7º, que a compensação deverá ser informada em GFIP na competência de sua efetivação.
ESTÁ NA CARTA DA REPÚBLICA O FULCRO DO DIREITO QUE TEM TODO CONTRIBUINTE DE RECUPERAR SEUS EVENTUAIS RECOLHIMENTOS INDEVIDOS
Esse preceito fundamental está no artigo 5°, (princípio da legalidade) que garante a todas pessoas físicas e jurídicas o direito de não ter de arcar com o tributo indevido, uma vez que a regra de ouro aplicável é a seguinte: o fisco não pode arrecadar mais do que a lei autoriza.
ESTÁ PREVISTO NO REGRAMENTO INFRACONSTITUCIONAL O PROCEDIMENTO DA RECUPERAÇÃO DOS RECOLHIMENTOS INDEVIDOS
O artigo 89 da Lei nº 8.212/1991 estatui que:
Art. 89. As contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 desta Lei, as contribuições instituídas a título de substituição e as contribuições devidas a terceiros somente poderão ser restituídas ou compensadas nas hipóteses de pagamento ou recolhimento indevido ou maior que o devido, nos termos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
No artigo 66 e parágrafos da Lei n° 8.383/1991, o instituto da compensação é previsto para os casos de pagamentos indevidos ou a maior de tributos e contribuições federais:
Art. 66 Nos casos de pagamentos indevidos ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive a previdência, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a COMPENSAÇÃO desse valor no recolhimento de importância correspondente a períodos subsequentes. § 1° A compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie. § 2° É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição. § 3° A compensação ou restituição será efetuada pelo valor do imposto ou contribuição corrigido monetariamente com base na variação da UFIR.
A Lei 9.430/1996 (Lei do Ajuste Tributário), em seu artigo 74, também dispõe:
Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. § 1º A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados. § 2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.
O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO COMPENSATÓRIO DECORRE DE DIREITO POTESTATIVO DO CONTRIBUINTE QUE RECOLHEU DE FORMA INDEVIDA A CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Sobra nítido e incontestável, portanto, que o direito à compensação de tributos (inclusive a contribuição previdenciária), cobrados ilegalmente, é líquido e certo, sendo uma faculdade do contribuinte fazê-la (conforme afirmado pelo Min. José Delgado, no julgamento do EREsp nº 435.835/SC, no dia 24/03/2004).
Por conseguinte, se a COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA é um DIREITO POTESTATIVO (unilateral) do contribuinte, é evidente que seu exercício independe de autorização da Fazenda Pública ou de sentença transitada em julgado. Nesse sentido também é o ensinamento do ex-desembargador federal HUGO DE BRITO MACHADO, no seu livro Temas de Direito Tributário – II, Editora Revista dos Tribunais, pp. 47 e 48: O exercício do direito à compensação independe de autorização da Fazenda Pública. Independe também de decisão judicial reconhecendo a liquidez do crédito a ser compensado ou o próprio direito à compensação. O contribuinte faz a compensação e assume a responsabilidade por seu ato.
Por todos esses conseguintes, a questão da COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA fica praticamente restrita à mera verificação do Fisco sobre a origem e fundamentos jurídicos dos valores que vierem a ser compensados. Nessa mesma direção está a pacífica jurisprudência do STJ (sem destaques no original): TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. LIMITAÇÃO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 07/STJ. I – Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo prescricional para se pleitear a compensação ou a restituição do crédito tributário somente se opera quando decorridos cinco anos da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais cinco anos, contados a partir da homologação tácita, em nada influenciando o termo inicial da prescrição, a declaração de inconstitucionalidade da exação, pelo STF, seja em controle difuso ou concentrado. Precedentes: EREsp nº 435.835/SC, Rel. p/ acórdão Min. JOSÉ DELGADO, julgado em 24/03/2004; REsp nº 830.102/SP, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 02/06/2006 e REsp nº 742.139/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 29/08/2005.
II – Este Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento segundo o qual, nas compensações de tributo declarado inconstitucional, com efeito erga omnes, seja por Ação Direta de Inconstitucionalidade ou através de Resolução do Senado Federal, não serão aplicáveis as limitações previstas nas Leis nº9.032/95, porquanto a contribuição erguida pela norma considerada inexistente, também será assim considerada, o que implica na obrigação de restitutio in integrum, bem entendido que a restrição insculpida nas leis limitadoras tornaria parte do pagamento válido, concedendo eficácia parcial à lei nula de pleno direito. Precedentes: EREsp nº 189.052/SP, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ 03/11/2003 e EDcl no REsp nº 748.396/SP Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 28/11/2005. III – Com relação aos expurgos inflacionários, o entendimento consolidado nesta Corte Superior é no sentido de que é devida a aplicação dos índices de inflação expurgados pelos planos econômicos governamentais, como fatores de atualização monetária de débitos judiciais, tendo como indexador, relativamente ao período de janeiro/89, o IPC, no percentual de 42,72% (REsp nº 43055/SP, Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, DJ de 20/02/1995); de março/90 a fevereiro/91, o IPC; a partir da promulgação da Lei nº 8.177/91 até dezembro/91, o INPC; e, de janeiro/92 até 31/12/95, a UFIR, na forma preconizada pela Lei n.º 8.383/91 e a partir de janeiro de 1996, pela taxa SELIC. Precedentes: REsp nº 449.886/DF, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 27/09/2004 e REsp nº 463.118/DF, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 15/12/2003. IV – A reapreciação de honorários advocatícios fixados segundo critérios de eqüidade (parágrafos 3º e 4º do artigo 20 do CPC) importa no reexame do conjunto probatório, incidindo o teor da Súmula 7/STJ. V – Recurso especial parcialmente provido. (REsp 840.259/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15.08.2006, DJ 31.08.2006 p. 271) O referido Min. Paulo Medina, do STJ, no leading case, foi impecável em sua argumentação, ao rechaçar qualquer forma de embaraço à plena compensação de valores recolhidos a título de tributos indevidos: Dessa forma, adquirido o direito à repetição do indébito, a compensação destes créditos mesmo com débitos futuros, não poderá ser limitada de nenhuma forma, seja na via administrativa, seja em virtude de lei posterior.
A COMPENSAÇÃO ADMINISTRATIVA É DIREITO CONSTITUCIONAL E POTESTATIVO DO CONTRIBUINTE, E A ELE NÃO SE APLICA O ART. 170-A DO CTN
Para que não pairem dúvidas, cabe ressaltar que, eventualmente, se a norma reguladora do instituto da compensação ao tempo do pagamento indevido fosse limitadora, deveria, assim, ter seus ditames parcialmente afastados, no que tange à limitação, sob pena de se conceder eficácia ainda que momentânea à lei declarada inconstitucional.
Infere-se claramente, pois, que, com o advento da Lei nº 10.637/2002, a Secretaria da Receita Federal perdeu o poder de “autorizar a utilização de créditos”, uma vez que instituto da COMPENSAÇÃO se tornou um direito potestativo (unilateral) do contribuinte, ficando ao seu alvedrio a escolha do momento de exercê-lo, e restando ao Fisco federal apenas o direito de glosa, em caso de utilização irregular da prerrogativa. Pelo exposto até aqui, não fica difícil de concluir, então, que o contribuinte que recolheu indevidamente a contribuição previdenciária está legalmente autorizado sem qualquer condição prévia — e não alguma estabelecida por juiz ativista ou pelo Fisco — a proceder desde logo a compensação, sem ter de aguardar pelo trânsito em julgado de eventual ação que lhe reconheça tal direito. Por último, cabe demonstrar a razão técnica pela qual não se aplica ao caso da recuperação administrativa dos pagamentos indevidos à Previdência a aparente proibição do artigo 170-A do CTN, que comanda:
Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.
Como consta expressamente do seu texto, o dispositivo tem aplicação apenas na hipótese especialíssima de que a COMPENSAÇÃO seja dependente de AÇÃO JUDICIAL para sua perfectibilização.
Ora, como se pode conferir à exaustão, em nenhuma parte da legislação autorizativa da COMPENSAÇÃO ADMINISTRATIVA de contribuição previdenciária recolhida por engano há previsão de PROCESSO JUDICIAL para o seu exercício, pois a compensação é procedimento que as regras autorizam seja implementada através da GFIP sem nenhuma condição. Isto está absolutamente nítido nas normas de regência e até mesmo nas Instruções Normativas da Receita Federal. A bem da verdade, um mandado de segurança não é obrigatório para a compensação administrativa — uma vez que a legislação não impõe como condição do exercício do direito potestativo a prévia uma autorização do Judiciário —, mas o writ of mandamus deve ser impetrado com o fito de: (1) demonstrar em juízo a boa-fé do titular do direito compensatório; (2) registrar judicialmente a origem e o tamanho dos créditos, evitando a multa de 75%, se algum deles vier a ser glosado, no futuro; (3) marcar o mês da contagem regressiva da prescrição, que é sempre determinado nas sentenças da espécie; e (4) submeter ao crivo da Justiça as rubricas cuja incidência da contribuição previdenciária seja duvidosa.
Respeitados entendimentos diversos, é o parecer.
CLÁUDIO NUNES GOLGO, Janeiro 2019
Auditor-fiscal aposentado, administrador e advogado (OAB/RS 25.345 – OAB/SP 215.204).